O varejo terminou 2019 num clima mais otimista — oposto àquele do início do ano, quando a retomada novamente adiada do setor frustrou os planos das redes. Agora, os lojistas se preparam para tentar alcançar um período de crescimento mais sustentável.
Na bolsa, esse movimento é acompanhado por analistas: há bancos sem uma única indicação de venda dos papéis de varejistas — recomendam apenas manutenção ou compra das ações.
Se 2020 confirmar as projeções atuais, especialistas acreditam no início de uma retomada mais vigorosa desde o último ciclo de expansão do consumo, encerrado seis anos atrás.
“Pode ser o início de uma alta sustentada em fundamentos econômicos mais sólidos, baseada em investimento e geração de renda, e não tão frágeis como aqueles que vimos anos atrás, com o PIB crescendo ancorado num aumento insustentável do consumo”, disse Alberto Serrentino, sócio-fundador da consultoria Varese Retail. A política de expansão do PIB por estímulos à demanda das famílias ocorreram entre 2010 e 2012.
A fase de maior crescimento recente no comércio durou 11 anos, a partir de 2004, segundo dados do IBGE. Entre 2015 e 2016, o setor acumulou queda nas vendas. Em 2017, 2018 e 2019, houve alta, mas tímida, que não permitia que empresas e analistas cogitassem falar no início de um novo ciclo.
“Desta vez acreditamos efetivamente que será diferente e as expectativas de crescimento serão revistas para uma alta à medida que avançarmos o ano. Além disso, acreditamos que estamos prestes a iniciar efetivamente um “novo ciclo”, que sustentará o crescimento e o consumo privado”, escreveu em seu último relatório o analista do Citi Tobias Stingelin.
Apesar desse cenário, especialistas calculam que, mesmo com projeção de alta nas vendas em 2020, o comércio só deve se recuperar das perdas sentidas durante a recessão e voltar ao patamar de vendas de 2014 na segunda metade de 2021.
“A expansão dos últimos dois anos foi tímida, e não havíamos nos recuperado de toda a queda anterior. É algo que só deve ocorrer em algum momento ao longo de 2021”, disse Eduardo Terra, presidente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC).
Para 2019, até outubro, a pesquisa mensal do comércio do IBGE informa alta de 1,8% nas vendas no acumulado do ano. Equipes de análises de bancos projetam expansão entre 2% e 2,5% (em termos reais).
Na avaliação de Serrentino, o varejo viveu dois momentos distintos em 2019. “O ano começou com boas expectativas, que logo se transformaram em frustração no primeiro trimestre. A agenda de reformas empacou, a dificuldade de articulação política do governo trouxe muita instabilidade e os planos de investimentos foram de novo adiados”, disse.
“No fim do terceiro trimestre e início do quarto, passamos a ver sinais mais claros de um retorno do consumo em alguns segmentos, ainda de forma gradativa, o que é um bom sinal também. É preferível uma alta lenta e consistente do que acelerada e insustentável”, acrescentou.
Entre os segmentos, e suas respectivas empresas, que devem ter “uma maior chance de surpreender” em 2020, segundo a equipe de análise do Citi, estão a área de artigos de moda e de produtos eletrônicos. Empresas como Lojas Renner e Via Varejo, seguidas de GPA e Lojas Americanas são citadas como exemplo.
“As operações das empresas estão enxutas [após a crise que obrigou cortes de custos e despesas], o que deve resultar em maior alavancagem operacional, enquanto taxas de juros mais baixas por mais tempo também ajudarão a gerar ganhos [juros menores melhoram o resultado financeiro]”, avaliou Stingelin.
“Em resumo […] esperamos que os ganhos sejam revisados para cima ao longo do tempo, o que, combinado com o ambiente benigno do mercado de capitais local, continuará a impulsionar o desempenho das ações. O setor não é barato, mas as perspectivas são sólidas”, escreveu.
Para justificar o otimismo, o analista de varejo da Brasil Plural, Felipe Reboredo, cita um cenário com determinadas condições macroeconômicas que não existiam um ano atrás, como forte queda nos juros, inflação mais baixa — menor patamar desde 1998 — , retorno gradativo de crédito às famílias e redução progressiva no índice de desemprego.
Mesmo nesse ambiente mais otimista, alguns economistas reforçam que há risco de algum “tropeço” do setor neste ano, caso novas crises políticas afetem o movimento positivo de confiança do consumidor. Ou caso cresçam as incertezas no cenário externo, com nova fuga de investidores do mercado, levando à instabilidades no câmbio, o que afeta preços no país.
O crescimento de vagas de emprego muito precárias, que impedem uma retomada mais forte na renda, algo vital para o varejo, também é visto como um sinal de atenção pelos especialistas, que pode levar a uma expansão mais lenta no consumo em 2020.
Fonte: Valor Econômico