Quando o assunto é economia, os desafios do governo federal não são pequenos: definir um novo arcabouço fiscal para país; discutir com o Banco Central a taxa de juros, hoje, de 13,75% ao ano; tirar cerca de 66 milhões de brasileiros do endividamento (CNDL/SPC Brasil); e criar estratégias para combater a concorrência desleal de empresas estrangeiras no mercado brasileiro, sem aumentar o valor final dos produtos internacionais que chegam por aqui.
Estes foram alguns dos temas que perguntamos à Merula Borges, especialista em Finanças da CNDL (Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas), que conceituou e avaliou os principais desafios econômicos do Brasil. Um bate-papo leve e descomplicado para os micro e pequenos empreendedores de Comércio e Serviços ficarem de olho no que vai impactar o seu negócio ao longo de 2023.
Quando o assunto é marketplaces asiáticos, a especialista em finanças afirma que os varejistas brasileiros estão sendo prejudicados, e é preciso equilibrar a balança. “A verdade é que, para o varejo brasileiro, trata-se de uma concorrência desleal. São produtos que não sofrem a mesma tributação que os itens brasileiros, e com isso, os stakeholders brasileiros e asiáticos não estão em pé de igualdade. A concorrência é positiva para o mercado como um todo, mas todos precisam estar nas mesmas condições”, afirmou Merula Borges.
Com relação aos três primeiros de governo Lula, já era esperada uma transição de governo complicada e que seria preciso um tempo maior para a nova equipe avaliar o quadro econômico, mas a antecipação da proposta de nova regra fiscal foi positiva. “Ademais, ainda acompanhamos com bastante interesse, principalmente, a questão das reformas tributária e trabalhista e do Desenrola – programa de negociação para os envidados –, para que o setor possa ajudar a compor soluções relevantes.
Confira a entrevista com Merula Borges:
Varejo S.A. – Vamos começar com a taxação dos marketplaces asiáticos. Pressionado, o governo tem negociado com essas empresas, buscando soluções para não taxar as remessas de até US$ 50 e até já se fala em nacionalizar a produção. Como avalia essas negociações? A nacionalização da produção resolve a concorrência desleal? Os consumidores brasileiros serão taxados a mais, sim ou não?
Merula Borges (MB) – Sabemos o quanto a medida (taxar os varejistas online asiáticos) desagradou os consumidores, mas a verdade é que, para o varejo brasileiro, trata-se de uma concorrência desleal. São produtos que não sofrem a mesma tributação que os itens brasileiros, e com isso, os stakeholders brasileiros e asiáticos não estão em pé de igualdade. A concorrência é positiva para o mercado como um todo, mas todos precisam estar nas mesmas condições. Além disso, são empresas que não geram emprego no Brasil.
Sabemos de todos os problemas de renda e dificuldade de acesso a itens básicos que o consumidor tem, mas em uma visão mais ampla da situação, deixar esses produtos entrarem no país sem nenhuma taxação só amplia o problema.
Com relação à taxação para o consumidor, apesar de o governo ter dito que não haverá repasse ao consumidor, esse argumento não se corrobora com os dados históricos: quando há qualquer aumento de preço, por qualquer motivo, o repasse ao consumidor é quase inevitável. Dependendo do mercado, pode não haver um repasse completo do valor, mas ele acontece.
Varejo S.A. – Finalmente, o texto do Novo Arcabouço Fiscal saiu, há cerca de 10 dias. Com base no projeto de lei entregue ao Congresso, como avalia a proposta do governo?
MB – É um marco importante e uma sinalização do governo de que vai trabalhar pontos fundamentais para a melhoria do ambiente de negócio. As falas dos presidentes do Senado e da Câmara trouxeram um aparente esforço de aprovação rápida, mas me parece otimista demais acreditar que não vai ser preciso retirar incentivo fiscal ou aumento de tributos pra gerar superavit, se não tem previsão de redução de dívida.
Pelo que foi mostrado, a dívida só se estabiliza se tiver crescimento forte do PIB (Produto Interno Bruto), das receitas, queda da Selic e juros neutros mais baixos. São muitas variáveis para dar conta.
De qualquer forma, vejo como positivo (o novo arcabouço), porque dá mais flexibilidade que o teto de gastos, que já tinha perdido completamente a credibilidade. É uma direção importante, e apesar de achar que ainda vai ter muita discussão, jabuti e negociação, é uma boa sinalização do governo e que estava sendo aguardada há bastante tempo. O que esperamos é que o orçamento público seja tratado com responsabilidade, porque isso melhora não só o setor de Comercio e Serviços como o ambiente de negócios como um todo.
Varejo S.A. – De que maneira o Arcabouço Fiscal impacta o setor de Comércio e Serviços?
MB – Às vezes, as decisões de política fiscal parecem muito distantes da realidade do lojista, e na verdade não são. Quando o governo gasta demais, gerando déficits orçamentários consecutivos, faz com que a poupança nacional (soma das poupanças públicas e privadas) diminua. Com uma poupança menor, os juros aumentam, o investimento cai, e isso gera um menor estoque de capital. Esse estoque de capital menor reduz produtividade no trabalho, salários reais e a produção de bens e serviços da economia. É claro que em alguns casos, como quedas da atividade econômica, economia em recessão ou mesmo numa pandemia, o déficit orçamentário não é um problema e precisa ser tolerado, mas se isso ocorrer de forma crônica, as gerações futuras nascerão em uma economia com rendas mais baixas e impostos mais altos.
O teto de gastos se mostrou ineficiente, ao longo do tempo, e perdeu sua credibilidade, mas a necessidade de uma regra que proporcionasse responsabilidade aos gastos públicos não deixou de existir. Então, o mercado econômico e o setor de comercio e serviços como um todo aguardavam essa nova regra para que pudessem ter segurança de que o governo tomaria ações responsáveis e proporcionaria um ambiente de negócios de crescimento. O importante agora é saber o quão crível essa proposta será pra que a animação não vire decepção.
Varejo S.A. – E de que maneira se cruzam o novo arcabouço e a taxa Selic – dois temas que têm sido discutidos, exaustivamente, pelo Executivo, Legislativo e o próprio Banco Central?
MB – A taxa Selic é o principal instrumento usado pelo Banco Central para controlar a inflação. Para definir a taxa, o Copom (Comitê de Política Monetária) considera não só a inflação, mas também a atividade econômica, o cenário externo e as contas públicas. Veja que é uma composição de informações que dá o número. Então, a simples apresentação do arcabouço não faz com que a taxa caia, mas ter um arcabouço fiscal sólido e confiável pode levar a redução nas expectativas de inflação, incerteza na economia e ao prêmio de risco associado aos ativos domésticos.
Varejo S.A. – Como avalia os três primeiros meses de novo governo? De maneira geral, as medidas econômicas são boas para o nosso setor?
MB – Tivemos uma transição de governo complicada e entendemos que seria preciso um tempo maior para a nova equipe avaliar o quadro econômico. O fato da equipe de Fernando Haddad ter antecipado a apresentação da nova regra fiscal foi vista como positiva pelo setor. Ademais, ainda acompanhamos com bastante interesse, principalmente, a questão das reformas tributária e trabalhista e do Desenrola – programa de negociação para os envidados –, para que o setor possa ajudar a compor soluções relevantes.
Varejo S.A. – Que medidas econômicas o setor de Comércio e Serviços, maior empregador do Brasil, precisa que o Governo tome para continuar crescendo?
MB – Há muito tempo o Copom comenta da importância das reformas estruturantes para a saúde econômica do país, e essa é uma pauta que está sempre na agenda da CNDL. Itens como a reforma tributária, por exemplo, afetam não só o setor de Comercio e Serviços, mas também a economia como um todo. A quantidade de impostos e a complexidade na apuração afeta diretamente a produtividade do país, porque são muitas pessoas trabalhando para atender demandas que não geram valor nos produtos ou serviços, e isso se reflete no PIB do país.
Outro ponto é a questão da responsabilidade fiscal: manter os gastos do governo em ordem com uma boa relação dívida/PIB e trabalhar para credibilidade do novo arcabouço fiscal, elevaria a confiança do mercado e seria um item a menos para pressionar a taxa de juros. A harmonia entre as políticas monetária e fiscal acaba por diminuir a incerteza, facilita a diminuição da inflação e incentiva o pleno emprego ao longo do tempo.
Além disso, facilitar o ambiente de negócios, tornando mais fácil a vida do micro e pequeno empreendedor com desburocratização, linhas de crédito que realmente alcancem esses negócios, trabalhando na educação das pessoas que vão ao mercado de trabalho e melhorando sua empregabilidade, sem falar na urgência de políticas de incentivo ao empreendedorismo, com formação dos empreendedores e linhas de credito especificas para novos negócios.
Fonte: Varejo SA