A economia brasileira deve finalmente entrar em uma rota de recuperação cíclica no biênio 2020/2021, tendo a política monetária expansionista como principal motor de crescimento. Com ganho de tração da demanda doméstica, continuidade da agenda de reformas – ainda que de forma parcial – e um ambiente externo menos adverso, a mediana das estimativas de 35 consultorias e instituições financeiras ouvidas pelo Valor Data aponta que o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro vai crescer 2,3% neste ano, alta que deve acelerar para 2,8% no ano seguinte.
Diferentemente do fim de 2018, quando um número considerável de instituições esperava expansão na casa de 3% para o PIB em 2019, o otimismo está mais contido desta vez: as previsões estão em sua maioria abaixo de 2,5%. Depois do balde de água fria em relação ao desempenho econômico do ano passado – que deve ser o terceiro seguido com avanço próximo de 1% do PIB -, economistas apontam o risco de que as reformas percam o senso de urgência como motivo para cautela. Do lado externo, o crescimento global deve se estabilizar e a guerra comercial entre China e Estados Unidos tende a enfraquecer, mas ainda pode trazer ruídos, assim como as eleições americanas.
O impulso temporário dos saques de contas do FGTS, concentrados no último trimestre de 2019, dará um bom ponto de partida para a economia em 2020, diz Roberto Secemski, economista-chefe para Brasil do Barclays, que trabalha com alta de 2,3% para o PIB no período. Como as retiradas do fundo vão até março, deve haver algum efeito residual no primeiro trimestre, mas a principal mola propulsora do consumo das famílias ao longo do ano será a transmissão da redução da Selic para a atividade, disse, processo que leva de seis a nove meses.
Como o ciclo de flexibilização da política monetária começou em julho de 2019, vai atingir com força as concessões de crédito para pessoa física já no início deste ano, avalia o economista. “A esperança é que, em um segundo momento, esse crescimento do consumo que veio pelo FGTS e depois pelo crédito crie pernas próprias com ampliação do emprego e expansão da massa salarial”, afirmou Secemski. No cenário do banco inglês, o consumo das famílias, que tem peso de mais de 70% no PIB brasileiro, vai crescer 3% em 2020.
Ao menos neste ano, a expansão esperada para a demanda das famílias deve ser mais influenciada pelas concessões de crédito do que pela melhora da renda, uma vez que a queda do desemprego será lenta. Com a retomada da atividade, mais pessoas devem voltar à ativa e buscar uma ocupação, explica o economista do Barclays, o que limita a redução do contingente de desocupados. Pela projeção mediana de 33 analistas, a fatia de desempregados em relação à força de trabalho ainda ficará elevada na média anual, em 11,2%.
Mesmo com pequena queda do desemprego, a composição das vagas geradas deve melhorar, com crescimento nas ocupações formais, avalia Nelson Rocha, economista-chefe do banco BRP. O Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) pode mostrar criação na casa de 1 milhão de postos com carteira assinada em 2020, prevê. “Hoje, os empregos gerados ainda são de baixa qualidade e remuneração, mas quantitativamente o mercado de trabalho está melhor”, aponta Rocha.
Além do consumo, afirma Leonardo Porto, economista-chefe do Citi Brasil, o ciclo de queda dos juros tem impulsionado os investimentos, que já começaram a reagir no ano passado, tendência que deve se intensificar em 2020. Em seus cálculos, a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF, medida das Contas Nacionais do que se investe em máquinas, construção civil e inovação) deve avançar 6,4% no ano. A projeção mediana de 30 analistas aponta alta de 4,8% para a FBCF.
Do lado da demanda doméstica, o ciclo de flexibilização da política monetária é o único instrumento que explica a recuperação no curto prazo, diz Porto. A política fiscal é contracionista e os bancos públicos estão reduzindo seus balanços, condições necessárias para que a economia siga em retomada, disse. “O juro vai seguir incentivando que esses sejam os ‘drivers’ de crescimento.”
Pela mediana de estimativas colhidas pelo Valor Data, a taxa Selic deve ficar estacionada em 4,5% até o fim de 2020, mas há quem espere tanto queda adicional, quanto o início de um ciclo de normalização da política monetária. É o caso da 4E Consultoria, que projeta alta de 0,75 ponto para o juro básico ao longo do ano, para 5,25% anuais.
Com reação mais forte da atividade, vários setores com margens de lucro comprimidas devem reajustar seus preços, diz Juan Jensen, sócio e economista da 4E, o que, em sua visão, coloca em risco o cumprimento da meta de inflação já em 2020. Assim, o Banco Central precisará começar a elevar os juros no fim do ano. A consultoria estima que o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) vai subir 4,2% neste ano, acima da projeção mediana dos analistas para o período, de 3,7%.
A inflação não é foco de preocupação para o ano, mas a fragilidade das contas públicas deve persistir. Mesmo no cenário do governo, o déficit primário só deve ser zerado em 2023. De acordo com mediana de 30 instituições, a dívida bruta do governo geral ficará em 78,5% do PIB em 2020, proporção que deve subir para 79% em 2021. “Hoje quase ninguém do mercado espera que a dívida bruta chegue em 80% do PIB”, diz Rocha, do BRP.
Para conter a trajetória de alta da dívida e manter as despesas do governo federal dentro do teto de gastos, economistas apontam como essencial que ao menos parte das reformas propostas pelo Executivo no ano passado seja aprovada pelo Congresso em 2020. A PEC emergencial, que estabelece, entre outras medidas, a possibilidade de redução de jornada de servidores públicos, com redução equivalente de salários, é a mais importante e deve ser a prioridade do governo, avalia Jensen. “Ela possibilita a queda de despesas obrigatórias.”
Já a reforma tributária, mais relevante para elevar a produtividade e, portanto, o crescimento de longo prazo, pouco deve avançar neste ano, pondera Secemski, do Barclays. “Nossas expectativas para aprovação de uma reforma ampla não são altas. A redução da burocracia e da distorção do sistema tributário precisa começar, mas não temos clareza sobre em que ritmo isso vai acontecer.”
Para o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), o principal risco doméstico para 2020 é que, diante dos sinais de recuperação econômica, o senso de urgência das reformas diminua. “A tendência por procrastinar na adoção de soluções para os problemas estruturais do Brasil existe e pode aumentar com a recuperação cíclica da economia”, afirmam os pesquisadores Armando Castelar Pinheiro e Silvia Matos.
No cenário externo, acrescentam eles, as tensões entre China e EUA podem continuar, enquanto, neste último país, as eleições presidenciais podem trazer mais incertezas. O cenário-base do Ibre, no entanto, aponta que o ambiente internacional deve ser mais favorável em 2020, um dos motivos que explicam a alta de 2,2% prevista para o PIB.
Fonte: Valor Econômico