As epidemias de dengue e zika, que vêm sendo alvo de atenção e preocupação em todo o mundo, fizeram disparar as vendas de repelentes no Brasil, hoje o quarto maior mercado do mundo, atrás de Estados Unidos, Canadá e Argentina. O segmento registrou avanço de 50% em seu faturamento no ano passado, quando os casos das doenças dispararam em boa parte do país. Assim, de acordo com dados da consultoria Nielsen, as vendas subiram de R$ 145,4 milhões para R$ 217,4 milhões, o maior valor da história da categoria. E para 2016, o avanço deve continuar no mesmo ritmo, prevê a consultoria.
O aumento da demanda também pegou de surpresa os principais fabricantes do país. Como resultado, tiveram de aumentar a produção em suas fábricas com novos turnos para operar 24 horas por dia e aumentar a importação, como as versões em aerosol da Argentina. A força-tarefa das companhias se traduziu em 14,7 milhões de unidades vendidas no ano passado, alta de 32,5% em relação a 2014, quando foram comercializadas 11,1 milhões de unidades.
Apesar do consumo maior, analistas avaliam que o brasileiro ainda não tem a cultura de usar o produto. Segundo a Ceras Johnson, dona da marca OFF!, com base em dados da consultoria Kantar, só 6,4% dos consumidores compraram repelente ao menos uma vez no último ano, um percentual bem abaixo dos 30% verificados na Argentina.
VERSÃO PARA CRIANÇA E FAMÍLIA
Outro ponto destacado pelos especialistas é que ainda há muita desinformação sobre o uso do produto. Segundo as empresas, o repelente precisa conter os princípios ativos dietiltoluamida (DEET) e icaridina, capazes de espantar insetos. Além disso, cada tipo de produto contém uma quantidade específica dos princípios ativos em suas fórmula, fazendo com que a duração do combate ao Aedes aegypti varie entre duas horas, no caso das loções e sprays, e seis horas, para as versões em aerosol.
— É preciso engajar os consumidores sobre o uso do produto. Dos 20 repelentes mais vendidos no Brasil atualmente, 15 têm os princípios ativos DEET e icaridina. O que as empresas estão fazendo nesse momento é vender packs com versões para os adultos e crianças. Somente em São Paulo, no ano passado, as vendas subiram mais de 100% devido ao surto de dengue. Agora, com o zika, os números vão aumentar — disse João Otávio Silva, analista de mercado da Nielsen.
O período entre novembro e março representa 66% das vendas anuais, destacou Tatiana Ganem, diretora de Marketing da Ceras Johnson. Segundo ela, a fábrica de Manaus passou a operar com 100% de sua capacidade a partir de dezembro. E, para atender à demanda maior, a companhia aumentou a importação de produtos da Argentina.
— Já tínhamos uma programação. Mas, com o zika, aumentamos a importação da Argentina a partir de dezembro. No início de dezembro, houve desabastecimento principalmente em farmácias, que concentram 60% das vendas no país. Como a epidemia tende a se estender, o mercado vai continuar crescendo a dois dígitos — afirmou Tatiana.
Segundo a executiva, a empresa, que em outubro lançou uma versão de aerosol para o público infantil, passou a investir em outros produtos para ajudar no combate ao mosquito:
— Nas marcas Raid e Baygon, investimos em versões elétricas com pastilhas e líquidos. São aquelas versões que você coloca na tomada e consegue até programar a duração do uso do produto de acordo com a quantidade de mosquitos.
Outra gigante do setor, a Reckitt Benckiser — dona de Repelex e da SBP — teve de aumentar o abastecimento no Brasil em 30% a partir de novembro. Segundo Holly Garbett, porta-voz das marcas, a explosão da dengue somada à associação do zika com os casos de microcefalia e também com outras complicações, como a síndrome de Guillain-Barré, promoveram um impulso na venda da categoria.
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— A se confirmar as expectativas dos órgãos de saúde, que preveem uma epidemia ainda pior este ano, a categoria deve superar os resultados de 2015, principalmente porque, apesar de avanços científicos, não há ainda outros meios de combate disponíveis além da prevenção e proteção contra o mosquito. Por isso, estamos trabalhando muito para que não faltem produtos e para que eles continuem chegando a todo o Brasil — disse Garbett.
A Profarma, dona das redes Drogasmil/Farmalife e Tamoio, constatou uma demanda maior em relação à capacidade de entrega dos fabricantes.
— A demanda já vinha num crescente. Em novembro, dobrou. Em dezembro, quatro vezes mais que a média dos três meses anteriores. Os fabricantes atenderam dentro do possível porque a demanda foi acima da capacidade de estoque na época — contou Ivan Engel, diretor comercial de varejo da Profarma, reconhecendo que houve momentos em dezembro em que os repelentes desapareceram das prateleiras.
NO AUGE, PRODUTO RACIONADO
Com a alta, o produto chegou a 1% do faturamento total do grupo em dezembro e janeiro, bem acima da fatia habitual de 0,2%.
— O abastecimento do varejo está melhor, embora ainda irregular. No pico de demanda, proibimos a reserva de produtos para clientes. E chegamos a limitar o volume vendido por pessoa. E só reajustamos o que o fabricante nos passou — disse Engel, alertando para a importância de manter preços num momento de epidemia.
Em dezembro, a Raia Drogasil multiplicou as vendas de repelentes por sete, na comparação com o último mês de 2014. Com isso, vem negociando com fornecedores para melhorar o prazo de entrega do produto.
O Exposis, repelente fabricado pelo Laboratório Osler-Paris, um grupo franco-brasileiro, é o mais disputado entre os repelentes à venda no varejo e tem a icaridina como princípio ativo.
— Nunca vi uma curva de demanda neste nível. Como há muitas dúvidas sobre o zika, a demanda explodiu, após os indícios da relação com o surto de microcefalia, no fim de novembro — contou Paulo Guerra, diretor geral do grupo no Brasil.
Nos últimos dois meses, continua ele, a produção e as vendas do Exposis foram 28 vezes maiores que em dezembro de 2014 e janeiro de 2015. Até novembro, o Osler produzia apenas em uma unidade em Saracuí (SP).
— Desde dezembro, iniciamos a produção em outras duas unidades: em Vinhedo (SP) e Palhoça (SC). Isso só foi possível porque o governo e a Anvisa facilitaram o processo para a expansão de produção de repelente no Brasil, dando prioridade aos processos do setor — lembrou Guerra, que destacou que 90% das vendas da Osler acontecem no Brasil.
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Outro desafio na expansão da produção é o fato de que os princípios ativos usados na fabricação de repelentes no Brasil são importados, o que limita a agilidade em responder à demanda.
Com a explosão do consumo, marcas menos tradicionais no varejo estão ganhando espaço nas gôndolas. É o caso da Xô Insetos, fabricada pelo Grupo Cimed, antes posicionada no segmento de farmácias independentes. Com as epidemias de dengue e zika, chegou às grandes redes. Ano passado, ampliou a produção em 110%.
— Foi preciso abrir o terceiro turno de produção em nossa fábrica em Pouso Alegre (MG). O ano de 2015 representou uma mudança no consumo do produto, que antes era sazonal. Já temos um novo produto em fase de registro, que deve chegar ao mercado em dois ou três meses — disse Priscilla Florêncio, gerente de produtos da marca, lembrando que o volume de vendas subiu mais de 320% em 2015.
Fonte: O Globo