Gastos com supermercado e conta de luz são os mais sentidos pelos brasileiros na crise

A recessão da economia brasileira ainda não mostra sinais de acabar pelos próximos meses e o quadro geral deste início de ano é bem parecido com o observado ao longo de 2016, com os indicadores refletindo as incertezas da conjuntura econômica. Uma pesquisa do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) e da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) procurou identificar os impactos da crise financeira no orçamento das famílias e mostra que as despesas com supermercado e contas de luz foram as que mais cresceram nos seis meses anteriores ao levantamento. Em ambos os casos, 47% dos entrevistados notaram aumento das contas.

O levantamento mostra que as despesas com supermercado cresceram apesar de 47% dos entrevistados terem aumentado a compra de produtos de marcas similares, na comparação com 2015. Também na variação anual, o estudo indica que houve redução do consumo de itens considerados não fundamentais, especialmente no que diz respeito às roupas, calçados e acessórios (53%) e às refeições feitas fora de casa ou por delivery (47%). Já o nível de consumo de serviços de água, luz e telefone foi mantido o mesmo de 2015 por 42% dos entrevistados.

Para a economista-chefe do SPC Brasil, Marcela Kawauti, seja na hora de ir às compras, seja ao lidar com as despesas básicas do mês, não é difícil perceber que os preços subiram muito nos últimos anos e que é preciso mais dinheiro para manter o mesmo nível de consumo. “Ainda que os brasileiros modifiquem alguns hábitos de consumo, não há como abrir mão de itens considerados básicos, como o arroz, o feijão ou a carne, por exemplo. Então, ele percebe que está gastando mais para encher o carrinho de compras”, afirma Kawauti. “Diante do baixo poder de compra e arrocho do orçamento do consumidor, ele acaba sendo forçado a passar menos tempo ao telefone para controlar o valor da conta e também reduzir as compras de roupas e a frequência com que vai a bares ou restaurantes.” Para a economista, os resultados da pesquisa mostram que os brasileiros estão tentando se adaptar a um contexto de recessão, em que os rendimentos não acompanham a escalada da inflação”.
Aumento de preços e diminuição de renda são justificativas para não sobrar dinheiro no fim do mês

Considerando o mês anterior à pesquisa, cinco em cada dez pessoas ouvidas afirmam que não houve sobra financeira (54%), sendo que 24% ainda ficaram devendo, percentual que aumenta para 27% entre as classes C, D e E. Em contrapartida, 44% garantem que houve sobra e, neste caso, a maior parte guardou na poupança, fez alguma aplicação ou deixou reservado (21%).

Para os entrevistados que fecharam o mês anterior com gastos superiores aos rendimentos, as justificativas mais mencionadas são o fato das coisas estarem mais caras, não conseguindo pagar as contas com o salário (42%), a diminuição da renda (26%), descontrole nas compras e perda da noção dos gastos (22%) e a perda do emprego (20%).

A pesquisa mostra ainda que, considerando o contexto de crise econômica e a percepção de alta dos preços, percebe-se que é maior, hoje, a proporção de pessoas que garantem controlar os gastos pessoais e da família (34%) embora boa parte da amostra tenha diminuído a formação de reserva financeira (36%). Cerca de 58% afirmam estarem pesquisando mais os preços antes de fazer compras, enquanto 44% estão pechinchando mais.

Práticas de educação financeira em tempos de crise seriam abolidas em caso de melhora na economia

O levantamento do SPC Brasil e da CNDL investigou ainda o que os consumidores fariam em 2017 caso o país saia da crise econômica atual e mostra que as atuais práticas de educação financeira para controle e economia no orçamento não teriam um futuro. Caso a economia brasileira melhore, a atitude adotada para superá-la que será mais descartada do cotidiano dos entrevistados é a disciplina no controle dos gastos pessoais e familiares (31%), seguida por pesquisas de preço (29%) e redução das refeições fora de casa (26%). Apenas 22% pretendem manter todas as medidas de combate a crise, mesmo com melhora da economia.

De acordo com o educador financeiro do SPC Brasil e do portal Meu Bolso Feliz, José Vignoli, os dados sugerem que muitas pessoas ainda veem as medidas de controle financeiro como um sacrifício, ao invés de incorporá-las como hábitos saudáveis. “Parte dos consumidores só adota comportamentos racionais em relação ao uso do dinheiro porque não vê outra saída. Para eles, a crise exige atitudes de controle a fim de evitar o colapso financeiro, mas, tão logo a situação melhore, acabam retomando os mesmos padrões, incluindo a falta de disciplina em relação ao orçamento pessoal e o consumo não planejado”, explica.

As principais justificativas para o abandono das atitudes em relação ao uso do dinheiro são a vontade de “recuperar o tempo perdido e voltar ao tipo de vida que tinha antes” (44%) e a dificuldade em levar uma vida financeira regrada (35%).

“É justamente para poder viver com mais liberdade e menos estresse que a educação financeira se torna fundamental. Evitar as compras impulsivas, pesquisar preços, realizar o controle dos gastos e constituir reserva financeira tornam a pessoa mais preparada para enfrentar momentos difíceis e, ao mesmo tempo, apta a realizar seus objetivos e sonhos de consumo. Organização e controle não devem ser confundidos com privação”, indica o educador financeiro.

Metodologia

A pesquisa procurou avaliar o grau de educação financeira dos brasileiros e entender como o consumidor se relaciona com o dinheiro. Foram entrevistados 606 consumidores com idade entre 18 e 30 anos, de ambos os gêneros e de todas as classes sociais nas 27 capitais brasileiras. A margem de erro no geral é de 4,0 pontos percentuais para um intervalo de confiança a 95%.